Ainda Estou Aqui se consagrou, com louvores, como um dos maiores fenômenos do cinema brasileiro em 2024 após uma agem premiada pelo Festival de Veneza. E não é pra menos: o longa-metragem de Walter Salles (Central do Brasil) abraça a história da família Paiva, retratada no livro homônimo e escrito por um dos filhos, Marcelo Rubens, e mostra um pedaço do que foi a Ditadura Militar no Brasil. Para isso, o espectador acompanha a vida de Eunice Paiva (Fernanda Torres) e de seus filhos logo após o sumiço de Rubens Paiva (Selton Mello), levado por militares em um dia sem muita explicação. Dominando a ambientação da história, Salles mostra como essa família reagiu e, principalmente, como o clima mudou -- seja da casa, da rua, da cidade ou do país. Com atuação memorável de Torres, o longa-metragem sintetiza um pouco da história do Brasil, mostrando como tudo era solar até a década de 1960 e como, num único golpe, há uma ruptura e as coisas nunca mais se acertam. É, enfim, uma história que estava engasgada e que precisava ser contada. Não só um dos grandes filmes de 2024, mas da história do cinema brasileiro.
Rivais (Challengers) talvez seja o filme mais maduro do cineasta Leia a crítica completa do filme Rivais.
Um Homem Diferente (A Different Man) é uma brilhante comédia cujo título sugere vários significados. A história começa com Edward (Sebastian Stan, A Pior Pessoa do Mundo), uma bela dramaturga, mas quando uma cura milagrosa reverte suas deformidades, ele decide fingir sua morte e começar de novo sob a identidade de "Guy". As coisas dão uma reviravolta irônica quando Ingrid escreve uma peça inspirada em Edward e aparece Oswald (Adam Pearson), um homem que, apesar de também sofrer de neurofibromatose, é carismático e leva uma vida plena. O título Um Homem Diferente poderia sugerir aquela empatia ingênua e idealizada típica de Hollywood para com as pessoas com algum tipo de diferença física. No entanto, o roteiro e direção de Aaron Schimberg orientam a atenção no sentido contrário, voltando-se para nossa constante aspiração de querer ser algo diferente do que somos, incapazes de estar confortáveis em nossa própria pele e, como diz Lady Gaga (supostamente), aceitar o que somos.
Conclave marca o retorno do diretor alemão Edward Berger (Nada de Novo No Front), agora com uma adaptação da novela de Robert Harris. A trama segue o cardeal Thomas Lawrence (Ralph Fiennes), que está ando por uma crise de fé quando o papa morre, e ele fica encarregado de reunir os outros cardeais e supervisionar a eleição do novo sumo pontífice. Isolados do resto do mundo, os cardeais devem deliberar e fazer lobby por votos, enquanto surgem intrigas dentro do grupo, e o cardeal Lawrence questiona a integridade da Igreja Católica. Com uma direção precisa e um roteiro meticuloso de Peter Straughan (Frank), a narrativa revela cada novo giro no momento certo, e embora não aprofunde nas questões que desperta sobre a verdade, a fé, as religiões organizadas e a falibilidade humana no centro de tudo, conta com atuações magistrais (o elenco inclui nomes como Isabella Rossellini, Stanley Tucci e John Lithgow) e intriga suficiente para impulsionar uma semana inteira de fofoca.
A Substância (The Substance) é um filme de terror dirigido pela cineasta sa Coralie Fargeat (Vingança), vencedor do prêmio de Melhor Roteiro no Festival de Cannes 2024. O filme se inspira na premissa de O Retrato de Dorian Gray, o clássico romance de Oscar Wilde, mas a utiliza para comentar questões como o etarismo, os padrões de beleza e a dismorfia corporal, especificamente no contexto das mulheres Hollywood. A trama segue Elisabeth (Demi Moore), uma atriz de sucesso que, nos últimos anos de sua carreira, se tornou apresentadora de um programa de televisão de fitness. Isso até que um executivo do estúdio (Dennis Quaid, em uma caricatura grotesca de Harvey Weinstein) decide que ela já está velha demais para isso e encerra seu contrato. Desesperada, Elisabeth recorre ao misterioso fármaco do título para "ativar" uma versão mais jovem e aprimorada de si mesma, "Sue" (Margaret Qualley). Ambas as mulheres devem manter um delicado equilíbrio de sete dias, que começa a se romper quando Sue alcança o sucesso e começa a sentir Elisabeth como um estorvo. Com ondas de sangue, mutilações, pus e outros fluidos corporais que não chegam a ser descritas em palavras, A Substância é uma sátira delirante e engenhosa da frivolidade arbitrária, mas também predatória e exploradora, com a qual os meios de comunicação impõem padrões de beleza inatingíveis e os perpetuam. Ao mesmo tempo, é uma representação acertada dos extremos autodestrutivos aos quais muitas mulheres estão dispostas a submeter seus corpos e autoestimas para se encaixar no sistema e seguir o jogo. Independentemente das conclusões, uma coisa é certa: vai ar por todas as emoções e terá um tempo incrível... se as náuseas não derrotarem você no meio do caminho.